“Aroma de mirra, de aloés e cássia exala de tuas vestes, desde as casas de marfim.”
Salmos, VLIV, 9.
Quando, numa segunda-feira de março, as mulheres da cidade amanheceram grávidas, Botão-de Rosa sentiu que era um homem liquidado. Entretanto não se preocupou, aborto em pentear os longos cabelos. Concluído o penteado, passou a alisar a barba com uma escova especial umedecida em perfume. Nesse instante ouviu gritos vindos da rua. Não distinguia bem o que gritavam, mas de uma coisa estava certo: vinham pegá-lo. – Deu de ombros e buscou uma fita colorida para prender a cabeleira.
Antes de despir a camisola de seda, escolheu para o dia o seu melhor traje: uma túnica branca, bordada a ouro dos companheiros do conjunto de guitarras – Molinete, Zelote, Judô, Pedro Taguatinga, Simonete, Bacamarte, André-Tripa-Miúda, Íon, Mataqueus, Pisca, Filipeto e Bartô – com os quais acertara novo encontro no Festival. Até lá Taquira teria o filho. (Fora obrigado a separar-se da companheira porque os pais recusaram a recebê-lo em casa, alegando que não eram casados. Teve, à época, vaga premonição de que jamais se reencontrariam.)
Separou as meias, o cinturão de fivela dourada e procurou uma sandália que combinasse com o vestuário. Sua escolha recaiu numa de solas grossas, apropriadas ao péssimo calçamento da cidade.
O clamor crescia lá fora, aumentava-lhe a impaciência: não podiam esperar que acabasse de se aprontar? Ou temiam pela fuga? Malta de ignorantes, como poderia fugir? Antes que apelassem para a força, procurou acalmá-los, mostrando-se na varanda. A turba emudeceu à sua presença. Fez-se um silêncio hostil, os olhos enfurecidos cravados na sua figura tranqüila. Um moleque atirou-lhe uma pedra certeira na testa e a multidão de novo se assanhou: Cabeludo! Estuprador! Piolhento!
Quando compreenderiam? – Retrocedeu até a sala. Não por covardia, apenas para estancar o sangue que começava a descer pela face e certamente lhe mancharia a roupa. Medicava-se ainda e ouviu baterem na porta. Era o sargento, comandante do destacamento, acompanhado de seis soldados e um mandado de prisão. Nem leu o papel. Alçando a mão, num apelo mudo, para que o esperassem, voltou ao quarto. Após jogar suas coisas na maleta, colocar nos dedos os anéis e no pescoço os colares, seguiu os policiais.
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Quando, numa segunda-feira de março, as mulheres da cidade amanheceram grávidas, Botão-de Rosa sentiu que era um homem liquidado. Entretanto não se preocupou, aborto em pentear os longos cabelos. Concluído o penteado, passou a alisar a barba com uma escova especial umedecida em perfume. Nesse instante ouviu gritos vindos da rua. Não distinguia bem o que gritavam, mas de uma coisa estava certo: vinham pegá-lo. – Deu de ombros e buscou uma fita colorida para prender a cabeleira.
Antes de despir a camisola de seda, escolheu para o dia o seu melhor traje: uma túnica branca, bordada a ouro dos companheiros do conjunto de guitarras – Molinete, Zelote, Judô, Pedro Taguatinga, Simonete, Bacamarte, André-Tripa-Miúda, Íon, Mataqueus, Pisca, Filipeto e Bartô – com os quais acertara novo encontro no Festival. Até lá Taquira teria o filho. (Fora obrigado a separar-se da companheira porque os pais recusaram a recebê-lo em casa, alegando que não eram casados. Teve, à época, vaga premonição de que jamais se reencontrariam.)
Separou as meias, o cinturão de fivela dourada e procurou uma sandália que combinasse com o vestuário. Sua escolha recaiu numa de solas grossas, apropriadas ao péssimo calçamento da cidade.
O clamor crescia lá fora, aumentava-lhe a impaciência: não podiam esperar que acabasse de se aprontar? Ou temiam pela fuga? Malta de ignorantes, como poderia fugir? Antes que apelassem para a força, procurou acalmá-los, mostrando-se na varanda. A turba emudeceu à sua presença. Fez-se um silêncio hostil, os olhos enfurecidos cravados na sua figura tranqüila. Um moleque atirou-lhe uma pedra certeira na testa e a multidão de novo se assanhou: Cabeludo! Estuprador! Piolhento!
Quando compreenderiam? – Retrocedeu até a sala. Não por covardia, apenas para estancar o sangue que começava a descer pela face e certamente lhe mancharia a roupa. Medicava-se ainda e ouviu baterem na porta. Era o sargento, comandante do destacamento, acompanhado de seis soldados e um mandado de prisão. Nem leu o papel. Alçando a mão, num apelo mudo, para que o esperassem, voltou ao quarto. Após jogar suas coisas na maleta, colocar nos dedos os anéis e no pescoço os colares, seguiu os policiais.