7 de abril de 2012

Comentário do conto "Teleco, o Coelhinho". M. Rubião


O conto “Teleco, o Coelhinho” de Murilo Rubião foi publicado em 1965 no seu livro “Os Dragões e Outros Contos”, introduzindo uma série de contos novos do autor. O tema da metamorfose, iniciado no conto “O Ex-Mágico”, segue também em contos como este, objeto de nossa análise. As transformações que acontecem repentinamente com seu personagem revelam uma tentativa inútil de adaptação a um mundo onde não há mais valores como a inocência e pureza. O tom lúdico desse conto serve para mascarar as profundas questões da existência humana. 
O conto é narrado em 1ª pessoa, ou seja, o narrador não é um mero observador, ele faz parte da ação, apesar de não ser o protagonista. Ele não consegue ser imparcial, por isso deixa transparecer seus pensamentos e opiniões nos dois momentos da narrativa: inicialmente, apresenta-se como amigo de um ser de aparência mutante, Teleco, e depois revela sua repulsa em função da mudança de comportamento de Teleco. 
Exemplos dessa parcialidade do narrador são encontrados em trechos como “o seu jeito polido de fazer as coisas comoveu-me”, no primeiro momento; “também a sua figura tosta me repugnava” – o segundo momento da narrativa. 
Exatamente por ser em 1ª pessoa, o narrador tem sua visão limitada, sendo incapaz tanto de conhecer interiormente os personagens dos quais fala como também de explicar os pontos obscuros da história, como por exemplo, o que teria acontecido a Teleco nos dias em que esteve desaparecido. 
“Teleco, o Coelhinho” é inverossímil quanto ao discurso narrativo, mas verossímil enquanto narrativa fantástica. Isso porque o conto apresenta uma seqüência de ações que são impossíveis de acontecer “de verdade”, mas o texto nos é apresentado de uma forma interna tão lógica que nos faz aceitar o irreal como sendo real, sem nenhuma reação contrária. Teleco faz parte de uma reação absurda, mas transportada para uma realidade social possível, pois ele vivencia o jogo da sociedade: quando se autodenomina homem, passa a agir como “o homem”.

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A narrativa muriliana, por ser fantástica e carnavalizada nos permite reconhecer o uso de muitas metáforas. Dentro desse tipo de estética talvez seja este o ponto mais importante, pois é através do trabalho metaforizado que o autor diz e mostra tudo o que pensa e vê. 
O tema central do conto é a animalização da humanidade. O homem está deixando de ser um “humano” para ser um “desumano”. E Murilo Rubião demonstra isso através das metamorfoses de Teleco, que deseja tanto se tornar homem, que chega a acreditar que na pele de um canguru já o é (talvez pelo simples fato de “andar em pé”). 
Porém, o inocente e puro coelhinho é atingido pela hipocrisia e injustiça, tipicamente humanas. Teleco não diz o que pensa ou sente, ele revela isso através de suas metamorfoses. A partir delas, o leitor tira suas conclusões e sentido. 
No início do conto, Teleco transforma-se para agradar aos outros: “Gostava de ser gentil com crianças e velhos, divertindo-os com hábeis malabarismos…”. No final do conto, porém quando já não pode controlar seus poderes, é possível se ter idéia, a partir de suas incontroláveis mutações, do que pode ter acontecido a ele durante o tempo em que esteve fora da casa do amigo. 
Ele volta na forma de cachorro e chama o narrador de amigo, condizendo com o que diz o censo comum: “o cão é o melhor amigo do homem”. Quando o narrador pergunta por Teresa, Teleco transforma-se num pavão, considerado como uma das aves mais belas, de penas encantadoras, o que nos remete à beleza de Teresa. Em seguida transforma-se numa cascavel de guizos “chocalhantes”, remetendo-nos à idéia de que Teleco poderia ter sido seduzido e traído por Teresa, pois, biblicamente falando, a cobra está relacionada à sedução, perfídia e deslealdade. 
Ao sofrer as constantes mutações, percebemos que Teleco perde o controle de si mesmo, porque acaba descobrindo que o ser humano é cruel e traidor e, embora Teleco o poder de se transformar em qualquer animal, nada ele pode fazer para mudar a natureza humana. 
Depois se transforma em carneirinho, símbolo da inocência e fragilidade. O narrador colhe-o com as mãos e, cansado da dura vigília, adormece com ele nos braços. Ao acordar, no seu colo havia “uma criança encardida, sem dentes. Morta.” Mais uma vez percebe-se a importância que as figuras e significados bíblicos têm na obra de Murilo Rubião: tanto o carneirinho quanto a criança representam a pureza e ingenuidade. Mas a criança em que se transformara Teleco não tem dentes. Isso nos remete à imperfeição natural do ser humano. 
Teleco, inicialmente, parece uma criança. Tem a pureza delas e deseja apenas agradar ao próximo. Entretanto, ao considerar-se homem, assume toda a torpeza inerente a ele. 
Murilo Rubião parece ter sintetizado neste conto o início da criação humana, de acordo com as questões bíblicas, até o momento em que o homem é corrompido. No entanto, o autor parece não acreditar em uma salvação, dado o desfecho com que arremata suas obras.

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Fonte: SCHWARTZ, Jorge. Murilo Rubião: Literatura Comentada. São Paulo, Abril, 1981


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