A casa era grande, branca e antiga. Em sua frente havia um pátio quadrado. À direita um laranjal onde noite e dia corria uma fonte. À esquerda era o jardim de buxo, úmido e sombrio, com suas camélias e seus bancos de azulejo.
A meio da fachada descia uma escada de granito coberta de musgo. Em frente dessa escada, do outro lado do pátio, ficava o grande portão que dava para a estrada.
A parte de trás de casa era virada ao poente e das suas janelas debruçadas sobre pomares e campos via-se o rio que atravessa a várzea verde e viam-se ao longe os montes azulados cujos cimos, em certas tardes, ficavam roxos.
Nas vertentes cavadas em socalco crescia a vinha. Era ali a terra pobre donde nasce o bom vinho. Quanto mais pobre é a terra, mais rico é o vinho. O vinho onde, como num poema, ficam guardados o sabor das flores e da terra, o gelo do Inverno, a doçura da Primavera e o fogo dos Estios. E dizia-se que o vinho daquelas encostas, como um bom poema, nunca envelhecia. À direita, entre a várzea e os montes, crescia a mata, a mata carregada de murmúrios e perfumes e que os Outonos tornavam doirada.
Mas agora era Inverno, um duro Inverno desolado e frio, e o vento desfazia o fumo azul que subia das pequenas casas pobres. Os caminhos estavam cobertos de lama. Um longo soluço parecia correr pelas estradas.
O Dono da Casa estava de pé, encostado à lareira acesa na sala grande, rodeado de convidados, que eram primos, primas e alguns vizinhos. Estava calado, alheio à conversa: meditava, pesava as suas razões, defendia em frente de si próprio a sua causa e a sua justiça. Faltava o último convidado, que era o Bispo.
O Dono da Casa tinha um pedido a fazer ao Bispo. Fora mesmo por isso que o convidara para jantar. E era por isso que, enquanto o esperava, ele meditava e preparava os argumentos da sua razão.
De facto, ali, naquelas terras de sossego, naqueles domínios submissos onde ele e seu pai e seus avós tinham exercido uma autoridade indiscutida, ali onde antes sempre reinara a ordem, tinha surgido agora uma semente de guerra.
Esta semente de guerra era o padre novo, um jovem padre de sotaina rota e cabelo ao vento, pároco de Varzim, pequena aldeia miserável onde moravam os cavadores da vinha. Havia muito tempo que Varzim era pobre e sempre cada vez mais pobre, e havia muito tempo que os párocos de Varzim aceitavam com paciência, sempre com mais paciência, a pobreza dos seus paroquianos. Mas este novo padre falava duma justiça que não era a justiça do Dono da Casa. E parecia ao Dono da Casa que, dia após dia, semana após semana, mês após mês, a sua presença ia crescendo como uma acusação que o acusava, como um dedo que apontava, como uma espada de fogo que o tocava. E ali na sua casa cujos donos tinham sido de geração em geração símbolo de honra, virtude, ordem e justiça, parecia-lhe agora que cada gesto do Padre de Varzim o chamava a julgamento para responder pelos tuberculosos cuspindo sangue, pelos velhos sem sustento, pelas crianças raquíticas, pelos loucos, os cegos e os coxos pedindo esmola nas estradas.
Finalmente surgira uma questão de contas com um caseiro e o Abade de Varzim tomara a defesa do caseiro.
— Padre — dissera o Dono da Casa —, eu pensava que o seu ofício era ocupar-se de rezas e não de contas. Os problemas morais pertencem-lhe. Os problemas práticos são comigo. Peço-lhe que deixe César ocupar-se do que é de César. Eu na sua igreja não mando: só assisto e apoio. O problema que estamos a discutir é meu, é do mundo, é um problema material e prático.
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