14 de dezembro de 2012

Comentário do conto Petúnia

―Petúnia é um conto cuja epígrafe traz idéia de ameaça, que apresenta um tom mais intimidativo do que a noção de advertência. Audemaro Taranto estabelece oposições entre casas x espinhos e urtigas, e fortaleza x azevinho, considerando que o azevinho, por ser planta medicinal, deveria estar próximo à casa, enquanto os espinhos e urtigas deveriam cercar a fortaleza. A epígrafe sugere que o nascimento dessas plantas ocorre de forma deslocada, encerrando, com isso ―a punição que se avizinha.
Nesta história, Éolo ( da mitologia, o deus do vento) é um homem fraco, submisso à mãe, D. Mineides ( na mitologia grega, as filhas de Minias foram levadas à loucura e cortaram um homem em pedaços, depois foram transformadas em morcegos.). Éolo se casa com Cacilda cujo nome se muda em Petúnia e Joana no decorrer do conto. As filhas também trazem o nome da planta: Petúnia Maria, Petúnia Jandira e Petúnia Angélica. As mulheres são as dominadoras. A mãe, depois que morre, encarna-se num retrato, que é colocado no quarto do casal. A maquiagem da velha derrete-se e é constantemente retocada pelo filho dominado.
 A metáfora de flor, secularmente associada ao feminino, ganha vida e crueldade nessa fantástica história: Petúnia mãe estrangula as petúnias filhas, pondo culpa na sogra. As filhas são enterradas/ plantadas em canteiros. Toda noite, o pai desenterra as filhas, que dançam no jardim, entre titeus e proteus, plantas que trazem nomes mitológicos.
Cacilda/ Petúnia coleciona cavalos-marinhos, que impedem que Éolo saia de casa. Cacilda tem um comportamento suspeito, deixando a casa pela manhã e só regressando à noite. De seu ventre, à noite, cresce uma flor negra e viscosa. Éolo arranca essa planta horrenda, mas ela retorna sempre. Por fim, o marido mata a esposa, enterrando-a no jardim. Mas as flores negras se multiplicam e invadem sua casa, onde ele fica bloqueado, com medo de ser denunciado.
Como o mitológico Sísiso, condenado à circularidade de seus trabalhos, o protagonista é condenado a essa horrível eternidade de retocar o retrato da mãe, desenterrar as filhas e arrancar as flores.
O desfecho do conto remete o texto para a perspectiva de uma obra aberta, sujeita a uma interpretação
múltipla. Esse desfecho tende para o infinito, para uma eterna repetição, onde o protagonista Éolo, como o mitológico Sísifo empurrando eternamente sua pedra, terá que desenterrar as filhas, retocar o quadro da mãe morta e arrancar as flores negras vindas do ventre da esposa, que lhe condenaram àquele suplício.
Hipérbole e repetição são elementos recorrentes na criação do fantástico nesse texto moderno de Murilo Rubião.
Em alguns momentos do conto, o sonho adquire a forma de um pesadelo, como no caso em que escorre a maquilagem do retrato da mãe do protagonista, tornando possíveis as mais aterrorizantes cenas surrealistas, como as rosas negras que brotam do ventre da figura feminina e invadem a casa, e os estranhos rituais noturnos de meninas assassinadas que, sendo gente e flor a um só tempo, são desenterradas para dançar.
A personagem masculina é, assim, condenada a cuidar da memória das entidades mortas: as filhas, a mulher, a sogra. O homem não se livra de seu passado, é atormentado por ele.


Um comentário: