Nesse conto, o narrador possui uma intenção e uma execução própria das narrativas fantásticas, bastante desenvolvidas no século XIX, o século em que Eça viveu. O título logo assume um dado estranho.
Em “O defunto” evidencia-se que essa figura tem um papel significativo na diegese.
A época em que se passa “O Defunto” é medieval, com marcações históricas bem definidas. Essa localização espaço-temporal indica que a narrativa se insere em um tempo distante, misterioso, que provoca enigmas e imagens exóticas.
Antecede a aparição do defunto (que é o enforcado) a climatização do que tende a romper com a realidade, com o natural. O espaço no qual se desenvolve a narrativa é ricamente descrito e cria o ambiente de mistério.
Os elementos espaciais surgem: Igreja silenciosa, sombria, um palácio escuro, um chafariz antigo, a penumbra que esconde, o palácio que amedronta. Tal caracterização do ambiente não é em vão: trata-se de uma extensão das personagens do Senhor de Lara e sua Senhora, D. Leonor: vidas sombrias, retiradas.
Mas, a dimensão fantástica do espaço ganha maior intensidade, quando o narrador heterodiegético constrói o caminho percorrido por D. Ruy até Cabril: (...) a aldeia apinhada em torno ao mosteiro franciscano, a velha ponte romana com seu Calvário, e a azinhaga funda que leva à herdade do Senhor de Lara.
Essa gradação de efeitos amedrontadores culmina na chegada ao “Cerro dos Enforcados”, local onde os criminosos condenados à forca eram executados. A atmosfera não é nada convidativa: a presença de um mendigo que toca sanfona, um frade que agoniza, a lua cheia e amarelada, a velha que surge em farrapos, com as longas melenas soltas, vergada sobre um bordão, levando uma candeia e lhe informa sobre o caminho a seguir diante da bifurcação. Ao passar pelos pilares dos condenados, o terror se concretiza: uma voz “suplicante e lenta” pede ao Cavaleiro que se detenha. Era um dos enforcados cuja “face morta, era uma caveira com a pele muito colada, e mais amarela que a lua que nela batia. Os olhos não tinham brilho. Ambos os beiços se lhe arreganhavam num sorriso empedernido. De entre os dentes, muito brancos, surgia uma ponta de língua muito negra.”
Está rompida a ordem natural do Universo. O morto se reanimame fala, conduz e salvará D. Ruy de Cárdenas. O sobrenatural se dá em duas instâncias: a sonora (pois o enforcado chama e depois há um sinistro som de ossos) que contrasta com o silêncio do local (“no imenso silêncio e na imensa solidão”) e a visual. Definitivamente está instalado o insólito na narrativa. Instaurado o insólito, a narrativa avança e o suspende aumenta: qual será a participação do enforcado esta personagem, sem nome específico, desprezada física e moralmente, já que é um condenado, ganha vulto na trama, pois recebe um pedido especiaolíssimo da protetora divina de D. Rui(Nossa Senhora do Pilar).
O enforcado, vestido como o nobre Cavaleiro, de quem usa a capa e o sombreiro, é trespassado pela espada do Senhor de Lara que prepara, habilmente, uma cilada mortal para aquele que dirigia seus olhos para sua Senhora. Portanto, o enforcado salva a vida de D. Ruy de Cárdenas.
Vale ressaltar que o insólito não se encerra na fala e na ação do homem morto. Recebidos os golpes no peito, retorna ao seu lugar de morte na garupa de D. Ruy. Nesse momento, pela primeira vez, este sente arrepiar-se pela figura cadavérica: “Todo se arrepiou o bom cavaleiro ao roçar nas suas costas aquele corpo morto, dependurado de uma forca, atravessado por uma adaga. Com que desespero galopou então pela estrada infindável! (...) E D. Ruy a cada momento sentia um frio mais regelado que lhe regelava os ombros, como se levasse sobre eles num saco cheio de gelo”.
Com um final bem romântico, D. Leonor se casa com o Cavaleiro, encaminhando-se para o final feliz. E o defunto, então, o responsável pela felicidade do casal.
Excelente análise e site
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