A casa era grande e alta, de tijolos vermelhos, talvez a mais alta do lugar. Estava atrás de uma cerca de taquara coberta de melões de são caetano. Mas sendo tão grande, tão alta e de cor tão viva, e a cerca não tendo mais que a altura de um homem médio, nunca pude compreender porque não era vista da rua. Desde que me entendo, eu passava por lá todos os dias, para cima e para baixo, lembro-me bem da cerca inclinada aqui e ali ao peso da folhagem, a rua de largura exagerada, o capim crescendo nas fendas da calçada, e no meio da rua os riscos paralelos das rodas dos carros cortados fundo na areia vermelha.
Lembro-me do barranco alto que havia do outro lado, as casinhas equilibradas lá em cima entre mangueiras e abacateiros, as frutas que caíam na rua e que ninguém apanhava, até olhava com certo receio; a roupa estendida na cerca de arame, as pancadas permanentes que vinham de lá, como se a única ocupação daquela gente fosse remendar panelas e tachos, num serviço que nunca acabava. De vez em quando um cachorro latia sem muito entusiasmo e logo se calava, como se estivesse apenas cumprindo uma obrigação, ou avisando que não o esquecessem que ele também queria entrar na paisagem. Lembro-me de tudo isso mas não me lembro da casa vermelha anteriormente aos acontecimentos que vou relatar.
Também não me lembro de ter andado do outro lado, não sei quem morava lá, aquela parte não estava no meu caminho nem na minha curiosidade; só me recordo, como coisa normal e aceita, que os entes que moravam lá não eram para ser vistos, muito menos frequentados ou recebidos. Se acontecia-nos encontrar um deles, virávamos o rosto para o outro lado, ou corríamos caso ele viesse nos falar.
Por causa deles fiquei preso várias horas em casa de uns amigos, onde tinha ido levar um prato de jabuticabas. Vejo-me transportando o prato com muito cuidado porque estava cheio de derramar, a caminhada era difícil por causa das falhas do calçamento, das ladeiras a subir e descer e eu não podia deixar cair uma jabuticaba que fosse. Não que alguém as fosse contar uma a uma e responsabilizar-me pelas que faltassem; eu até comi boa quantidade delas pelo caminho, apanhando-as com a boca por ter as mãos ocupadas com o prato. Mas eu sabia que se deixasse uma só cair no chão uma coisa irreparável aconteceria. A minha responsabilidade era imensa, era como se eu estivesse aguentando nas mãos a mola que impede o mundo de desmanchar-se.
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