Esta insólita situação rompe radicalmente com o princípios da lógica, resvalando para uma inconcebível contradição, na proporção em que contraria o princípio estabelecido segundo o qual duas proposições que mutuamente se contradizem não podem ser consideradas verdadeiras e, portanto, jamais será possível afirmar e negar concomitantemente a mesma coisa, sob pena de provocar uma negação do real. A transgressão de tal princípio significaria o advento de uma nova lógica que irromperia sob a égide do princípio da contradição, via absurdo.
Esta lógica contraditória e insólita é a que rege a instauração do fantástico muriliano neste conto, na qual qualquer tipo de diferença é banida, permitindo que estados tão diferenciados, antinômicos e inconciliáveis sejam nivelados, confundindo-se no indizível do fantástico.
No próprio conto são levantadas algumas respostas lógicas pelas personagens que tentam encontrar uma explicação para o inusitado fato que testemunham. Daí o surgimento de indagações: “Teria morrido o pirotécnico Zacarias?” As possíveis explicações lógicas e verossímeis são dadas na narrativa, à guisa de excluir ou dirimir o paradoxo instaurador do fantástico. Duas hipóteses de explicação, que reduziria o efeito fantástico a um mero fato natural, sem mistério, são discutidas:
1) O pirotécnico estaria vivo e o morto não passava de alguém parecido com ele.
2) O pirotécnico estaria morto e o vivo era alguém parecido com ele.
Ora bem, a escolha, pelo leitor, de qualquer uma das sugestões dissolveria o paradoxo e, consequentemente, excluiria o elemento fantástico. Todavia, se, por um lado, ambas as escolhas são lógicas e coerentes, ambas neutralizariam o efeito fantástico, por outro lado elas são igualmente possíveis. Sendo assim, a ambigüidade típica do fantástico permaneceria: O pirotécnico poderá estar vivo ou poderá estar morto.
O conto questiona a condição existencial do homem, a sua condição dramática, a sua tragédia individual: Zacarias só tem a sua existência reconhecida depois que morre. Quando era vivo, todos o ignoravam, nunca o perceberam como um ser humano. Ele passa a ter existência no âmbito do trágico.
O texto convida a uma reflexão sobre a realidade humana. Afinal, o que é o homem antes e depois de sua morte? Em qual das duas condições ele existe mais? Esta resposta cabe aos leitores responderem.
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Imagem na postagem: Foto de Murilo Rubião.
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