31 de outubro de 2011

Comentário do conto A Flor de Vidro



Aos recursos murilianos usados na formação do fantástico em A Flor de Vidro são a Inadequação de propriedades e a ambigüidade. A Inadequação de propriedades consiste em atribuir a um objeto qualidades que não lhe são próprias, projetando-o assim na realidade fictícia completamente transformado em sua essência. 
No conto A Flor de Vidro encontramos com freqüência seres, mortos que continuam vivos(O pirotécnico Zacarias), animais que falam (Os dragões, Teleco, o coelhinho), flores que nascem de corpos humanos (Petúnia), sentimentos que se materializam, etc. 
Em A Flor de Vidro, Murilo Rubião utiliza esse recurso da troca de propriedades materiais para entidades essencialmente imateriais, rompendo as fronteiras entre matéria e espírito, como pode ser observado no primeiro parágrafo do conto. 
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A narrativa se constrói em torno de um problema de consciência de Eronildes, um personagem marcado por uma acentuada ambigüidade que constitui o centro dinamizador da narrativa. 
Murilo Rubião consegue narrar prendendo o interesse do leitor até ao desenlace, apesar dos elementos enigmáticos que vão surpreendendo o leitor caminho. Há um homem com um trauma instalado na cabeça e com saudades de sua namorada Marialice. Uma namorada chegando de trem para passar férias. Há alegria. Amam-se. Passeiam. Passam momentos juntos e Marialice volta a partir de trem, deixando Eronides condenado à solidão. 
Aparentemente, o conto de Murilo Rubião, tem uma trama normal e linear. Mas analisando-a bem, observamos que ela é profunda e labiríntica. Há um personagem, protagonista da estória, que embora ame e tenha saudades e dê passeios, mostra uma psiquê estranha, sendo enigmático em seu comportamento e em sua linguagem. 
O foco narrativo ou ponto de vista é problemático, da mesma forma que é problemático o protagonista, o que termina por criar um núcleo dramático também na narrativa. Toda a tensão dramática fica por conta da enigmática flor de vidro e no dramático epílogo da cegueira de Eronides, que advém após a praga de Marialice.
Para finalizar, transcrevo um trecho do intenligentíssimo ensaio de Maria Felomena S. Espindola, no qual a autora oferece uma excelente análise do conto muriliana. 
A flor de vidro "é uma flor cujo sentido efêmero se aprofunda, porque esta é uma flor de vidro, mais frágil que as outras, duplamente marcada pela transitoriedade: o cair das pétalas e o estilhaçar-se do vidro. Ameaçada pelo efêmero, entretanto, esta flor aterroriza. Seus estilhaços ferem. Pela flor de vidro será aniquilada a flor azul. Portanto, cabe, ao trem, instaurar uma circularidade que anula os limites entre o consciente e o inconsciente. O apito dá concretude ao pensamento, transfigurado em sonho, em alucinação. O trem é a alegria desvairada do retorno de Marialice. O trem é o desespero do retorno imediato da flor de vidro, no final das férias. O trem é o lenço branco agitado em muda resposta. É, outra vez, a maldição a cumprir-se: “Na volta, um galho seco cegou-lhe a vista” (p.45). Mas o trem que partiu, voltará. Por isso, esta narrativa não desfaz as ambigüidades instauradas, gerando-se daí a circularidade a impossibilidade de definição de início e fim, como num círculo, como na vida." (1 )
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Nota
1- Maria Felomena Souza Espindola. "O olhar/Espelho do coração e seus dilaceramentos em A Flor de Vidro, de Murilo Rubião. In: Revista Linguagem em Discurso, vol. I. 2001.
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Zenóbia Collares Moreira


Imagem na postagem: Arquivos do Google.







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