“O Bloqueio” apresenta vários elementos constitutivos do conto, segundo a teoria elaborada por Poe. Durante todo o conto o narrador mantém a tensão necessária para prender a atenção do leitor, que deverá ler o conto numa “assentada”. Outro ponto a ser considerado é a circunscrição de um espaço fechado. O tempo e o espaço acham-se condensados; o conto se passa num espaço reduzido.
O autor cria, em “O Bloqueio”, uma situação absurda, vivida por Gérion, um homem que abandona esposa e filha, saturado da presença grotesca da mulher, rica e manipuladora, que o humilha constantemente. Gérion, para se libertar dessa figura repugnante, refugia-se em um apartamento, em fase final de construção. Coisas estranha acontecem: ele é incomodado constantemente pelo ruído de uma máquina que destrói base e a parte superior do prédio onde se encontra. Tenta evadir-se, mas percebe que a parte inferior do edifício acha-se destruída e que o apartamento está suspenso no ar. Sente a presença da máquina, à espreita, rondando seu apartamento, aguardando um deslize seu, para que possa enfrentá-lo. O conto termina com o protagonista entrando na sala, fechando a porta com a chave, ao mesmo tempo maravilhado e estarrecido ao se deparar com um arco-íris, formado pelas luzes que penetravam pelas frinchas do apartamento, emanadas pelo maquinário fantasmagórico.
A máquina constitui a questão fundamental do conto “O Bloqueio”; é em torno dele que gravita toda a história; ela está presente nos sonhos de Gérion e o persegue nos momentos de vigília. A partir dessa idéia, podemos falar numa segunda história, construída metaforicamente, e que revela o processo de construção do conto. A “história secreta” encontra-se apoiada em três pontos fundamentais: o autor, a personagem Gérion e o leitor.
Inicialmente há um clima de estranhamento que atinge a personagem e também o leitor,constituindo-se a partir de então uma identificação e um pacto entre ambos, uma vez que se vêem atingidos pela ação dominadora da máquina, que os fascina e os atemoriza, e cujos desígnios desconhecem. Sabem entretanto, que têm diante de si uma situação inaudita, analógica, e tentam decifrar o que se esconde atrás daquele objeto enigmático, que se camufla e se metamorfoseia, na medida em que executa seu trabalho e se aproxima de Gérion. O leitor torna-se, enfim, cúmplice da personagem, submete-se às regras do jogo aceita a nova realidade. Ambos nutrem um sentimento ambíguo, de atração e temor diante do objeto destruidor:
A par do desejo de enfrentá-la, descobrir os segredos que a tornavam tão poderosa, tinha medo do encontro. Enredava-se entretanto, em seu fascínio, apurando o ouvido para captar os sons que àquela hora se agrupavam em escala cromática no corredor, enquanto na sala penetravam os primeiros focos de luz.
A história secreta conduz, portanto, à metalinguagem, pois faz o leitor refletir sobre a construção do conto e materializar, por analogia, a forma poética do conto. O maquinário procura exercer um domínio completo sobre Gérion e seu duplo, o leitor. A máquina os espreita para melhor conhecê-los e, se preciso for, manipulá-los. O leitor é constantemente convidado a participar da história, e sem se dar conta, vai mergulhando no universo fictício, até ser totalmente seqüestrado pelo poder fantasmagórico do próprio conto. Gerion, por sua vez, ora sente-se ameaçado, emparedado, tentado a voltar à sua realidade, ora hesita e se recusa a retornar àquela vida abjeta, ao lado de sua mulher.
Do temor à curiosidade, hesitou entre verificar o que estava acontecendo ou juntar os objetos de maior valor e dar o fora antes do desabamento final. Preferiu correr o risco a voltar para sua casa, que abandonara, às pressas, por motivo de ordem familiar. (...) Gérion descia a escadaria indeciso quanto à necessidade do sacrifício.
No primeiro parágrafo do conto, o narrador revela a dificuldade da personagem em retomar a rotina diária, ao acordar e confundir “restos de sonho com fragmentos da realidade”. Diante de um fato estranho – a escuta de um barulho intenso e progressivo -, a personagem pensa, inicialmente, estar vivendo um pesadelo. A “escuridão do aposento” não lhe dá a certeza de ser essa uma experiência real ou onírica.
Entretanto, a incerteza que abate Gerion, ao se encontrar num estado entre o sono e a vigília, difere, em parte, da hesitação mencionada por Todorov em sua definição do fantástico: “o fantástico é a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural.”
A personagem sente-se mais perturbada pela idéia de não controlar a situação em que se encontra, do que pela possibilidade de explicá-la. Gerion parece assumir essa nova realidade, ao constatar os danos irreversíveis no imóvel. Tenta dormir, mas acorda assustado com um grito terrível. Instaura-se uma nova dúvida: a máquina estaria emitindo vozes humanas? Seria esse mais um sonho? “Preferiu acreditar que sonhara, pois de real só ouviu o barulho monótono de uma escavadeira a cumprir tarefas em pavimentos próximos ao seu”. A personagem, entre aturdida e fascinada, convence a si mesma estar vivendo uma nova realidade que, apesar de absurda, não é de todo descartada.Sente-se acuado e bloqueado pela máquina; ignora se poderá sair ileso ou se será destruído por ela. É invadido por uma sensação contraditória, misto de fascínio e terror pelo objeto, por seu poder e sua capacidade destrutiva.
A máquina personifica-se: assume ares de um outro, que emite gritos terríveis, similares aos de um ser humano. Seria a máquina um duplo, o seu outro, a atormentá-lo, acuando-o numa região obscura, inóspita, onde tudo pode acontecer?
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