[Valid Atom 1.0] O Fantástico Literário na Web: Comentário do conto "Botão - de - Rosa".

22 de novembro de 2011

Comentário do conto "Botão - de - Rosa".


No conto Botão-de-Rosa, Murilo Rubião aborda o tema da Justiça. O personagem central, que tem o mesmo nome do conto, é preso sob a insólita acusação de ter seduzido, estuprado e engravidado todas as mulheres da cidade, ao mesmo tempo. Como escreve Audemaro Taranto Goulart, o Juiz que condena Botão-de-Rosa é uma perfeita metáfora do autoritarismo do indivíduo que estando investido de poder, aproveita-se de sua situação de superioridade para manipular a justiça. Tal figura exemplifica bem a autoridade que exorbita, tão comum no cotidiano de todos. Fica claro que ela não representa a razão, mas, ao contrário, é um exemplo perfeito da desrazão. (In: O Mundo Fantástico de Murilo Rubião. Ed. Lê. Belo Horizonte, 1995).
A narrativa, ao revelar que “quando, numa segunda-feira de março, as mulheres da cidade amanheceram grávidas, Botão-de-Rosa sentiu que era um homem liquidado”, revela também ter havido uma transgressão em termos daquilo que a norma social estipulado: ter engravidado todas as mulheres de uma cidade.
O efeito insólito provoca no leitor a sensação de estranhamento, detém sua atenção e o força a uma leitura ideológica. Aliás, em “O Convidado”- conto de Rubião – a atmosfera geral fica muito mais densa, mais viscosa, se comparada com as narrativas anteriores do autor. A sensação sinistra consegue atingir efeitos sociais bem mais corrosivos. O elemento confirmador dessa possibilidade crítica é o julgamento de Botão-de-Rosa. As argumentações para provar ou não sua inocência perdem totalmente o sentido tradicional; não pela inverossimilhança que elas propõem (Ex. ”As penas variavam entre dez anos de reclusão, prisão perpétua ou morte. José Inácio ficou boquiaberto. Pena de morte! Ela fora abolida cem anos atrás! Ou teria estudado em outros livros?”), mas pela aguda crítica que o texto propõe. Uma leitura linear de um processo judicial semelhante (que conduziria ao inevitável questionamento: inocente ou culpado?) fica totalmente diluída e abafada pela leitura subjacente. O que interessa é o modo pelo qual o julgamento se articula, desencadeando a percepção de uma denúncia implícita ao texto. Ex.: “Se [o juiz] decidiu que esse palhaço cometeu outro delito, não nos cabe discutir e sim preparar as provas necessárias à sua condenação”.
A rejeição de Botão-de-Rosa por parte do povo provoca nos leitores uma crítica aguda à atitude responsável por esta rejeição. “Antes da vinda desse marginal nosso povo tinha hábitos saudáveis, desconhecia os vícios das grandes metrópoles.” A inversão é latente. Quem acaba sendo marginalizado pela crítica é o “povo” e não o “marginal”.
O código religioso, que permeia toda a obra de Murilo Rubião através das epígrafes bíblicas, como unidades redutoras dos contos, ressurge com toda sua força em Botão-de-Rosa. A associação com a figura de Cristo é imediata e inevitável. Seja através de suas ações como dos seus atributos. (As roupas são os primeiros indícios caracterizadores: “longos cabelos”, “túnica branca”, “sandália”, etc.) Os seus “companheiros do conjunto de guitarras” são exatamente doze, simbolizando os apóstolos. Mais ainda, Botão-de-Rosa é traído por um deles (restaurando-se assim a tradição da figura de Judas), e o seu comportamento obedece ao mais elevado dos estoicismos (“um pobre diabo que de negava a defender-se e nem se importava com sua própria condenação”), enquanto sua morte catalisa os pecados do homem (no caso, ironicamente descritos na gravidez das mulheres), e sua pureza, referencializada através do próprio nome, se manifesta simbolicamente no despojamento total revelado pelo momento de sua morte: “desnudo, ofereceu o pescoço ao carrasco”.
Deste modo, vemos como o fantamasgórico e o inverossímil encobrem subtextos que elucidam possibilidades de leitura. E não seria ousado afirmar que o texto “fantástico”, em Murilo Rubião, mascara a mais realista das literaturas.
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Autoria do comentário: Jorge Schwartz. In: Do fantástico como máscara, p. 13 e 14


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