14 de outubro de 2011

J.J.Veiga e Murilo Rubião: representantes do fantástico brasileiro

 
O fantástico de Murilo Rubião talvez seja mais intelectual. Os seus fantasmas são mais concebidos pelo espírito... Ao passo que os de Veiga são fornecidos pelo real, pelo folclore nacional, pelas crenças populares, já que as suas personagens são construídas de gente simples e humilde de nosso hinterland. Nesse sentido, os seus contos chegam a ser até regionalistas. Bastante brasileiros mesmo,
Assim como na obra de Murilo, o fantástico de J.J. Veiga não apresenta fadas, fantasmas ou demônios; o que se revela é uma trama de situações dolorosas que conduz ao absurdo. A atmosfera que paira nos contos de Veiga é de opressão e desespero, fruto de uma tensão desencadeada pela alegoria que denuncia a violência física ou moral.
A obra de José J. Veiga é normalmente associada à literatura fantástica ou ao chamado realismo maravilhoso latino-americano do século XX. Sua estréia ocorreu em 1959, doze anos depois do suposto precursor do fantástico no Brasil, Murilo Rubião, mas ainda antes que o gênero se popularizasse nas letras nacionais, a partir do final da década de 60.
Um breve parênteses: é preciso notar que estão sendo usados os termos “fantástico” e “realismo maravilhoso”, como referentes a recursos e procedimentos literários semelhantes, o que não significa qualificá-los como sinônimos. Manifestações literárias diversas estética e temporalmente, o fantástico (nascido na Europa do século XVIII) e o realismo maravilhoso (também chamado “realismo mágico”, característico da literatura latino americana do século XX) possuem como ponto de aproximação o fato de criarem realidades não miméticas, irreais, sobrenaturais.
Exemplificando com três contos de Cavalinhos de Platiplanto: no conto título, um garoto foge, em sonho, para um universo paralelo onde o desejo de possuir um cavalo, irrealizável neste mundo, torna-se realidade. Aqui, o insólito representa a fuga (onírica) da realidade cotidiana do personagem, criando uma outra cuja extensão é a realidade insólita, e a qual pode sempre recorrer.
Em “A usina de trás do morro”, uma cidadezinha se vê invadida por forasteiros que alteram a rotina de vida da população ao extremo, provocando situações fantásticas. Nesse caso, há a invasão física do insólito sobre a realidade cotidiana das personagens.
Já em “Roupa no coradouro”, não há sonho, nem fantástico: é a morte da mãe que, insólita para a criança, irrompe em seu cotidiano.
Em todos os casos, uma nova realidade (absurda) se forma depois de contrapostos os dois universos (cotidiano e insólito), pelos quais os personagens circulam, seja quando o insólito irrompe no cotidiano ou quando se viaja deste para aquele. A linha que os separa não é claramente demarcável, há uma continuidade entre as duas esferas que só seria notado a uma relativa distância, da qual o leitor-cúmplice não dispõe. Esta situação é metaforicamente explicada pelo narrador de Torvelinho Dia e a obra de J. J. Veiga não deixará de carregar, explicitamente ou não, o sentimento de insatisfação contra quaisquer sistemas de opressão
A narrativa de J. J. Veiga, no referido livro, impressiona exatamente pela sensibilidade com que reflete o território da infância (ainda que com amargor, tristeza e angústia), e por uma profundidade que chega a assustar! Muitas vezes com uma carga de emoção que chega a ferir! Dos doze contos do livro, oito são narrados por crianças! São eles: A Ilha dos Gatos Pintados, A usina atrás do morro, Os cavalinhos de Platiplanto, Os do outro lado, Fronteira, Tia Zi rezando, A Invernada Sossego do e Roupa no coradouro.

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Fonte: Nilto Maciel. Literatura Fantástica no Brasil


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