[Valid Atom 1.0] O Fantástico Literário na Web: Comentário do conto O Jantar do Bispo, de Sophia de Mello B. Andresen

12 de junho de 2012

Comentário do conto O Jantar do Bispo, de Sophia de Mello B. Andresen


Cada conto de Sophia M. B. Andresen, a coletânea “Contos Exemplares”, ilustra uma moralidade que reflete uma filosofia da existência.
A partir da situação inicial, a narradora desenvolve uma narrativa que aponta para valores éticos, econômicos e religiosos. A chegada do Bispo, do Homem Importante, do pobre e o desaparecimento misterioso destes dois últimos, conotado com as forças do Mal e do Bem,
Configuram o “fantástico” em O Jantar do Bispo.
Na primeira parte do conto, uma descrição começa por delimitar um espaço físico constituído pela casa “grande, branca e antiga”, triplamente definida por características materiais (o tamanho, a cor) e por características temporais (antiga).

A descrição minuciosa da casa dá conta de todos os seus ângulos:

(1) Em “frente da casa, um pátio quadrado”;

(2) À direita, um laranjal onde corria uma fonte;

(3) À esquerda, um jardim de bucho, úmido e sombrio, com suas camélias e seus bancos de azulejo

(4) A meio da fachada descia uma escada de granito coberta de musgo. Notar que o musgo se associa à noção de tempo, de coisa antiga;

(5) Em frente da escada ficava o gradeado pórtico que dava para a estrada. O portão é o elemento de transição entre a casa e o mundo.

Em seguida, a narradora passa a descrever o exterior, a natureza. Neste quadro a sua atenção concentra-se na VINHA, que produz uma anotação social, a qual permite definir o espaço exterior como uma antítese entre o mundo dos ricos (definido por regras estéticas – a casa - e o mundo dos pobres, referido pelo trabalho (a vinha).
Outra antítese se coloca na página 52: “Quanto mais pobre é a terra, mais rico é o vinho”, que contrasta a divisão social que caracteriza o cenário.” (Frase esta que pode ser uma alusão: quanto mais pobre fica o que cultiva a terra e planta a vinha, mais rico se torna o dono do vinho).
O contraste entre a exuberância da natureza é reforçado logo a seguir pela confrontação de dois tempos, introduzida pela adversativa MAS e pelo adjetivo AGORA:
“Mas agora era Inverno, um duro Inverno desolado e frio e o vento desfazia o fumo azul que subia das pequenas casas pobres. Os caminhos estavam cobertos de lama. Um longo soluço parecia correr pelas estradas.
Enquanto a descrição exterior não focaliza os seres humanos, a descrição interior vai pôr em evidência o DONO DA CASA (símbolo da autoridade e por isso designado através de uma apelação genérica): 
“O DONO DA CASA estava de pé, encostado à lareira acesa na sala grande, rodeado de convidados, que eram primos, primas e alguns vizinhos”. Nesta breve apresentação predominam sinais de conforto (a lareira acesa), de autoridade (o Dono da casa ocupava a posição central) e de proximidade (a família, os vizinhos). No entanto a personagem está inquieta, expectante. Aguardava a chegada do Bispo a quem tinha um pedido a fazer: a transferência do padre novo que, ao contrário dos seus antecessores, falava de uma justiça que não era a justiça do Dono da Casa. Tal transgressão transformava-se em uma ameaça. Torna-se clara a oposição entre o Dono da casa e o Padre de Varzim. A chegada do jovem padre de sotaina rota e cabelo ao vento, capaz de transgredir a ordem estabelecida, tomando a defesa dos pobres contra o patrão habituado a mandar e a possuir, incomodava demais o Dono da Casa.
As duas personagens antagônicas caracterizam-se por atitudes, valores e práticas completamente diferentes:
O DONO DA CASA reclama o respeito pela ordem, que o protege nas suas prerrogativas, e situa-se no plano material.
O PADRE DE VARZIM situa-se no plano do espiritual e reclama a caridade.
Ambos evocam a Justiça, mas em nome de princípios contrários, o que conduz inevitavelmente ao conflito.
A prática do Dono da Casa aflora-se na expressão das aparências, visto que as suas atitudes visam produzir efeito imediato: manter a sua autoridade na aldeia. No seu nome tudo obedece a uma hierarquia: o lugar dos miseráveis ficava um pouco abaixo do dos criados, um pouco acima do dos cães..
O interior da casa corresponde ao valor que o Dono da Casa dá as aparências: “móveis pomposos, falsos dourados, tinham sido acrescentados às antigas mobílias escuras”. O novo riquismo se traduz por uma acumulação excessiva de tapetes, cortinas complicadas, retratos dos da casa que contrastavam com o dos seus antepassados.
O discurso da narradora ironiza não só o gosto das aparências como o gosto da autocontemplação do Dono da Casa.
O dono da Casa arma tudo de maneira a ter sucesso em sua empresa de afastar o padre indesejado. No entanto, a caracterização das duas personagens em contraste e em conflito sugere uma luta em que se enfrentam os valores negativos do Dono da Casa e os valores positivos do Padre, Simbolicamente, esta oposição equivale a uma batalha entre o MAL e o BEM cuja solução se encontra na futura atitude do Bispo. Este é o elemento fundamental na dinamização da intriga.
O Bispo está numa situação paralela à do Dono da Casa: tem também um pedido a fazer: o teto da igreja. A estratégia do Bispo é estimular a vaidade do Dono da Casa.
Quando a intriga começa a avançar para a conversa entre o Dono da casa e o Bispo um novo acontecimento intervêm: A chegada estrondosa e estranha do HOMEM IMPORTANTE.
Somente o menino de 9 anos rejeita o visitante (encarnação do diabo): “a sombra daquele homem era enorme e enchia os tetos”. Mas isso era uma coisa que somente a criança via.. O discurso moralizante dom hábil visitante ajuda ao Dono da Casa e ao Bispo a formularem os seus pedidos e a concretizarem os seus desejos.
A resolução da intriga converge para a concretização dos objetivos de ambos, graças às argumentações do Homem Importantíssimo, que funcionou como um hábil advogado. Dois cheques de 50 contos selaram o negócio que garantiu o teto novo para a igreja e a “venda” do Padre de Varzin.
Enquanto isto, na cozinha da casa vem bater um pobre que quer ver o Dono da Casa e enfrenta a recusa dos criados. Ele vinha da parte do Padre de Varzim. A cada negativa dos criados, a tempestade violenta aumenta, como um coro trágico que pontua os diversos movimentos narrativos e reflete simbolicamente a cólera Divina. A cada negativa dos criados, a tempestade ribombava e as luzes se apagavam. O menino gostou do mendigo e o atendeu. Joana serviu um prato ao mendigo. Este não o comeu e foi embora.
No entanto, o espírito do Bispo estava pesado de confusão; quando retornou à estrada a caminho de sua casa, provocando a piedade de Deus. A partir daí inicia-se o desencadeamento do mistério e dos fenômenos fantásticos: O aparecimento do mendigo na estrada e recebe um convite do Bispo para seguir de carro e que, subitamente desapareceu, a tomada de consciência do Bispo do erro cometido e o seu retorno à mansão do Dono da casa para desfazer o negócio, o inexplicável desaparecimento do Homem Importante, o misterioso desaparecimento do cheque que este dera ao Bispo, além das tempestades e visões do menino, tudo apontando para a presença de fenômenos sobrenaturais.


2 comentários:

Anônimo disse...

está muito bom, ajudou-me bastante na realização da minha apresentação oral, obrigada :)

Sónia Montgomery disse...

Obrigada pela sua leitura e interesse por literatura portuguesa. Foi um prazer ler o seu texto e a sua interpretação. Gostava de lhe pedir a sua opinião acerca de dois aspetos: a) Para além de representar o Diabo ou a noção de mal, o Homem Importantíssimo também parece estar associado ao próprio Salazar; b) do mesmo modo, a prima Conceição surge por de mais parecida com a Mónica (em "O retrato de Mónica"), ou seja com a falecida Cecília Supinco Pinto. Por fim, só uma observação: "agora" não é um adjetivo, mas sim um advérbio. Gostava que me desse o seu parecer sobre estes aspetos que sugeri. De novo, muito obrigada por nos proporcionar a sua leitura de obras portuguesas.